quinta-feira, 26 de abril de 2012

A herança do sabonete azul de Mafra

      O relógio indicava 5 horas da manhã, mas na verdade eram 17 horas. Valentino Júlio conhecia pessoas nos 17 bairros e moradias do Entroncamento. No entanto, algo parecia não resultar e as dúvidas começavam a adensar-se e a sobrepor-se a todas as suas forças. Tudo começara com a vinda do "Sarmento"...

      Numa manhã primaveril de outono, Valentino já tinha decidido o que seria o seu pequeno-almoço: um congelado de frango com recheio de iscas e sopa de ameixa. De súbito, algo se sucedeu. Uma aparição do seu trisavô, Mateus Júlio, que tinha morrido na 1ª Guerra Mundial, durante um concurso que premiava quem comesse mais cebola picante, surgiu-se-lhe e falou-lhe:

      - Não comas esse congelado. Podes clonar os genes aí presentes e criar um animal de estimação que no passado foi extinto, um dodó.

      Seria da fome e estaria com visões, ou seria um aviso do futuro? De facto, era misterioso...

      Valentino levou o congelado de frango com recheio de iscas para o seu laboratório secreto montado na cave de sua casa. Colocou-o na máquina de clonagem... Se isto resultasse, seria o maior feito da História desde a invenção do esterilizador de pinguins.

      Tudo correu bem, o dodó foi criado, e o seu dono decidiu dar-lhe o nome de "Sarmento".

      Sarmento era um bicho prestável, sem pulgas, derivado e bonito. Seria agradável, mas não foi. O dodó acabou por se revelar um pássaro de mau carácter. Ainda por cima, ficou feio. Sarmento afastava o mulherio de Valentino, roubava-lhe as meias e desligava-lhe o frigorífico, o que causava o descongelamento dos frangos. Os frangos quentes retornavam à vida e dirigiam-se frequentemente à cave, atraídos pela porta convidativa e pelo odor a iscas...

sábado, 21 de abril de 2012

Os enamorados amelanciados

          Dois meses tinham passado. Mas o relógio da mesa-de-cabeceira de pau-preto permanecera alterado. Adélio sentia-se traído pelo vil destino. Tinha faltado ao único compromisso amoroso em 3 anos. Ela era divina e sublime, apenas aparentava um grave problema de pé-de-atleta. Nem tudo isto parecia ser um obstáculo às pretensões do robusto e firme sonâmbulo das ruas do Bombarral. Inexplicavelmente, acordava de rompante todos os dias com o cheiro imundo de tremoços vindo da adega do senhor Lenhoso.

         No que dizia respeito à sua vida amorosa, acreditava na intervenção do fado. Mas nunca acharia que iria encontrar tal beldade como Urraca, a senhora portadora de pé-de-atleta, curiosamente apenas num dos pés.

        O entrecruzamento destas vidas mortais tinha-se dado num acontecimento fugaz. O encontro proporcionara-se da tenda de Adélio, vendedor de leitões, na festa regional do vinho do Oeste. Sem mais demoras, envolveram-se num único beijo provocado pelo intenso contacto sensorial entre ambos. Naquele conjunto de corpos, não mais se distinguia entre coxas, o pé com o pé-de-atleta de Urraca, ou o hálito de maracujá com tendências olfativas para alho vindo de Adélio…

Jogo do bar

      Era uma vez um Miguel, que era conhecido pelos seus cachorros desleais. Não tinha cadeiras, mas era uma pessoa traidora em toda a sua essência. Queria um dodó de estimação para lhe fazer cócegas durante o Julho, nomeadamente nos períodos de mais chuva.
      Era cheio de raiva. Era isso que o fazia tão especial. Vivia perto de Famalicão, que fazia fronteira com a Oceânia. Eram tempos gostosos.

         Com a colaboração de Rute e Beatriz.