quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A cebola vermelha

      A função derivada estava integrada. Era o fim. Hermenegilda Caetano tinha ido ao mercado nesse dia com o intuito de comprar couves e beterrabas frias, mas acabara por trazer duas ovelhas idosas que só sabiam cortar fios capilares femininos.
      - Isto é como tudo - dizia Hermenegilda. - Não há-de ser nada.
      Nestas palavras de sabedoria, o mundo enclausurava-se em si mesmo. As ovelhas tinham um historial significativamente pernicioso e instável. Nos primeiros 5 anos de vida, tinham sido propriedade do circo Bate-Masim, especializado no treino de suínos amarelados. Ao cabo desse tempo, os proprietários deram conta do gravoso engano negligente de que aqueles animais erradamente tinham permanecido no referido estabelecimento. No tempo subsequente, as ovelhas foram transaccionadas para um quartel de bombeiros com postes-varão comprados em bares de moral duvidosa. Na caixa violeta-turquesa no gabinete de Antunes, comissário-mor, estava uma cebola picante e avermelhada...
      Essa cebola seria a destruição de Hermenegilda, bem como das respectivas ovelhas. Mas mal tinha ela conhecimento desse facto emergente. Voltou ao mercado. Queria devolver as ovelhas. Um homem de aspecto frito e gorduroso, de caracóis dourados, surgiu-se-lhe como um anjo Gabriel a anunciar o nascimento de um bebé de mãe virgem. Para aquela gorda senhora, foi mais do que um sinal de Deus - foi uma dádiva do mundo animal. O olhar matador de Antunes fixou-a e a sua mão dirigiu-se-lhe com uma redonda e reluzente cebola. Pretendia comprar as ovelhas com aquela jóia da agricultura moderna.
      Hermenegilda não resistiu. Só conseguia olhar para a cebola, e imediata e irreflectidamente, activou um contrato de compra e venda entre si mesma e a alma terrena ante si.
      Sem factualidades duvidosas, remanescia sim ainda um desengano. Ximenes, uma das ovelhas, descendia de uma linhagem com mais de 3900 anos. A sua cabeça estava a prémio para o talho do José João Joel, monopolista talhante de Alcabideche. Quinze mil euros e um saco de vísceras de porco ibérico seria a recompensa.
      E Inocêncio Celso conhecia os seis cantos do mundo. Isto acontecera porque tinha ficado preso a um balão de ar quente que andou perdido durante 9051 dias pela Tailândia e Malásia. Quando avistara o panfleto publicitário ao caso de Ximenes, assumira-se logo como o único capaz de levar a cabo este mandato. E sentira, no mais fundo de si, que já se tinha efectivamente entrecruzado com Ximenes. E assim fora...
      Trinta anos antes, tudo se precipitara. Ximenes era uma bailarina vestida de lã e Inocêncio era um pastor robusto. O intercâmbio dera-se. A gravidez era segura... Hermenegilda seria o nome escolhido pelos pais...

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Regresso após um certo tempo ausente



          Questiono-me como será possível que as questões audio-visuais tenham aumentado de forma tão acentuada... Parece ser um enorme sucesso e, portanto, não quero deixar de agradecer a todos estes milhares de fãs que proporcionaram centenas de visualizações. Ou, então, por outro lado, fui eu, Irradiador a Óleo, juntamente com a esbelta e muy bela Apreciadora de Cogumelos que dilatámos o número de visitas a cada entrada no blogue. Suspeito disso, sim.
          Finda esta pequena introdução, deixo uma história acabada de ser escrita, em que as palavras não começam pela mesma letra. Finalmente, algo de original.



        Josué Rufino estava no fim da linha. Procurava, desesperava, mas não conseguia. Tinha decididamente chegado a uma bifurcação, nunca antes vista, nunca antes sentida. Estava desempregado, e não tinha perspectivas de carreira... Encontrara, no entanto, dois anúncios referentes a trabalho humano, enquanto ofício ou profissão. Josué ou podia candidatar-se a senhor da bomba de gasolina da REPSOL em Abrantes, ou poderia concorrer ao cargo de treinador do Sporting. Optou pela via onde tinha mais concorrência... E dirigiu-se a esta cidade do centro de Portugal...
       Com um currículo bastante vasto, decorrente de várias experiências passadas, desde vendedor de diciopédias no Bairro Alto a técnico supervisor de lutadores de sumo, cuja função principal seria retirar o suor destes durantes os intervalos de combates profissionais, nada poderia fazer com que Rufino fosse rejeitado naquele pacato posto de abastecimento de combustível...
       Dias passaram, semanas decorreram, meses pareciam acumular dias, e Josué confundia anos com horas. Sim, o seu forte nunca fora a Matemática. Revia-se naquele panfleto publicitário da Worten "O nosso forte é o preço".
       Passavam 45 minutos das 10h45 quando a bomba da REPSOL do Albano de Abrantes explodira... A culpa teria sido atribuída a Josué, mas após uma pequena entrevista a Albano, tudo se imiscuíra numa nuvem densa de confusão.
       - Senhor Albano, como se sucedeu tudo?
       - Estava eu a atestar! Estava eu a trabalhar. Veio um jovem com um maçarico e que me pediu para ir ao shopping da bomba. E eu não deixei que ele levasse aquele instrumento!
       - Mas acaba aí?
       - Não, com a confusão..peguei no maçarico e atestei um camião cisterna que ali estava.
       A explosão fora inevitável. Um napalm atómico jamais visto e compreendido. Tudo o que estava à volta era cinza.. Rufino assumira a culpa de tudo, apesar de  Albano ter sido o verdadeiro responsável. Mas tinha protagonizado este acto heróico e altruísta a troco de algo que o dinheiro não pode comprar.. Um voucher de 20 euros oferecido pelo seu chefe, um voucher que lhe permitiria obter uma massagem completa no Cabeleireiro Rute ali de Abrantes. Rute tinha 70 anos de experiência em massagens. Era um número que Josué não poderia recusar...